quinta-feira, 27 de março de 2014

A carga de R$ 1.000.000,00

  A transportadora emitiu uma ordem de serviço, despachadas, o encarregado conferiu a procedência da carga, qualificação e conteúdo, o de praxe.

  Às seis da manhã o celular ao lado da mochila estrondava. O caminho da mão ao objeto, no entanto demoraria mais uns minutos, e quando aquele membro pôs ao ouvido, a voz do outro lado não titubeou para uma ordem curta e grossa, como a de militares em exercício:

– A carga está pronta; venha buscar!

  O sujeito recostou-se ainda ao solavanco de uma noite incompleta. Adentrou o celular na mochila ajeitando-a entre o estofado atrás da cabine. Acionou o display do computador, esperando a confirmação da empresa para partir com o carro. Não demorou muito. Antes que pudesse ajeitar o cabelo, puxando as mechas para trás, na tentativa de abaixá-los, recebeu a resposta. Ligou a chave de ignição, e partiu do estacionamento. Viagem rápida: o pátio onde estava ficava a três quarteirões do local onde iria buscar a carga.

  Subiu o Volvo pelas ladeiras estreitas da cidade; as pessoas e os carros de passeio espremiam-se nas bordas da rua, o caminhão ocupava quase todo o espaço. Secundaristas, entregadores, vendedores ambulantes somavam a gente que cedo saía das casas. Tudo parecia fluir para um congestionamento. E três quarteirões já não eram suficientes para cobrir em minutos o que já era para ser feito em horas.

  Não tem problema. Quando chegou ao local, foi advertido por ter demorado tanto. O encarregado, o gerente de operação, e o diretor do departamento estavam lá com uns seguranças contratados especialmente para a operação. Mesmo sem entender, a princípio, cogitou algo extremamente grave. Nada que o olhar surpreso não resolvesse. O diretor chegou e disse que sobre o mesmo estava um grande peso. Ele era portador de uma carga de eletrodomésticos avaliada em um milhão de reais, em peso líquido 16.000kg de computadores, notebooks, aparelhos de som, tablets, ipods e celulares. Deveria ser despachada para Belém até o fim do mês. Atrasos acarretavam 1,6% de juros por dia.

  De frente para o galpão, o motorista preparava-se para guinar o caminhão truck, manobrando-o entre outros caminhões e carretas estacionadas. E o dia nem tinha começado, mas depois de tantas viagens, dirigir um carro com 16 toneladas extras não parecia o menor dos problemas. Quando endireitou o veículo preparou para o reboque. Os ajudantes ainda não havia chego, para variar, à urgência; e como nem os três funcionários e nem os seguranças não se dispuseram ao serviço manual o motorista cedeu ao descer a um pulo as três escadas de metal da cabine. A operação precisava de certa dose de paciência: engatar o pino do caminhão a carreta, e prendê-los enrolando um cordão de ferro em um laço, era coisa sem muita estafa para mãos habituadas a dar nó em rede, ou mesmo para quem alguma vez na vida fez em acampamento.

  – Quando terminar você precisa preencher alguns papéis! – Disse o encarregado.

  Para não dizer que não entendeu, ainda a prender a última cordoalha, saltou debaixo do caminhão com as mãos suja de poeira e graxa das peças envolvendo-se numa conversa um tanto diferente do seu ambiente de trabalho. Ficara acertado que ele seguiria viagem com uma escolta formada por três carros pequenos que se revezariam no trajeto. Eram ao todo uns oito sujeitos armados com pistolas automáticas e trajando colete de segurança, o curioso é que o motorista parece não precisar do colete a prova de balas. No fim, são despesas desnecessárias.